“Voar no
Quarto Escuro” chegou envolto em expectativa, afinal Márcia passa a vida a
tragar livros, a falar com autores, a fazer os outros ler.
Mas não é
automático - ler muito não é passagem infalível para escrever bem. E no entanto
este livro consegue lidar com as expectativas dos seus leitores (e com as suas
próprias, suspeito), de forma exemplar. É um livro enigmático, entregamo-nos a
ele devagar, entrando no jogo de Márcia sem nos apercebermos de que ela nos
encurralou. Só quando se acaba o livro nos libertamos daquela cave onde nos
enfiámos.
O tom negro é
servido numa escrita simples, precisa, a lembrar um policial, com frases/situações
que, por vezes, nos arranham a alma.
Tudo gira à
volta de seis personagens femininas – os homens deste livro são todos uns
inúteis, peças que não encaixam na engrenagem – e como as suas vidas se tocam (
e se aleijam) sem querer (quase sempre). É um relato bastante profundo da
solidão humana e em especial da solidão feminina que tem características
curiosas: a solidão é uma doença incapacitante, em muitos casos, os seus
pacientes levam vidas de torpor e isolamento, mas no caso destas personagens,
todas operam o seu papel na sociedade, todas são funcionais, apesar do seu
profundo desalento e implosão iminente.
Mas vai mais
longe - a Márcia Balsas reflecte sobre uma condição feminina tão evidente e tão
difícil de analisar: a de que as mulheres são as que mais rapidamente sabem e
querem julgar as outras. E de que preferem morrer a pedir ajuda.
Tudo isto
seria difícil de ler não fosse o estilo seguro de Márcia, a sua condução
habilidosa pelo tão ardiloso jogo que nos agarra às histórias. Acho
interessante tudo ser contemporâneo e a destreza com que a modernidade aparece
nas vidas delas todas, tão pouco sexy de se escrever, tarefa que aqui surge
elegantemente cumprida.
É normal
olhar-se com condescendência e até com desconfiança para um primeiro romance.
Não sou alheia a esse síndrome, não entrei no livro de peito aberto. Mas uma
coisa é certa: saí dele convencida de que aguardo novo mergulho com a Márcia Balsas.