09/10/19

"Voar no Quarto Escuro", de Márcia Balsas

“Voar no Quarto Escuro” chegou envolto em expectativa, afinal Márcia passa a vida a tragar livros, a falar com autores, a fazer os outros ler.
Mas não é automático - ler muito não é passagem infalível para escrever bem. E no entanto este livro consegue lidar com as expectativas dos seus leitores (e com as suas próprias, suspeito), de forma exemplar. É um livro enigmático, entregamo-nos a ele devagar, entrando no jogo de Márcia sem nos apercebermos de que ela nos encurralou. Só quando se acaba o livro nos libertamos daquela cave onde nos enfiámos.
O tom negro é servido numa escrita simples, precisa, a lembrar um policial, com frases/situações que, por vezes, nos arranham a alma.
Tudo gira à volta de seis personagens femininas – os homens deste livro são todos uns inúteis, peças que não encaixam na engrenagem – e como as suas vidas se tocam ( e se aleijam) sem querer (quase sempre). É um relato bastante profundo da solidão humana e em especial da solidão feminina que tem características curiosas: a solidão é uma doença incapacitante, em muitos casos, os seus pacientes levam vidas de torpor e isolamento, mas no caso destas personagens, todas operam o seu papel na sociedade, todas são funcionais, apesar do seu profundo desalento e implosão iminente.
Mas vai mais longe - a Márcia Balsas reflecte sobre uma condição feminina tão evidente e tão difícil de analisar: a de que as mulheres são as que mais rapidamente sabem e querem julgar as outras. E de que preferem morrer a pedir ajuda.
Tudo isto seria difícil de ler não fosse o estilo seguro de Márcia, a sua condução habilidosa pelo tão ardiloso jogo que nos agarra às histórias. Acho interessante tudo ser contemporâneo e a destreza com que a modernidade aparece nas vidas delas todas, tão pouco sexy de se escrever, tarefa que aqui surge elegantemente cumprida.
É normal olhar-se com condescendência e até com desconfiança para um primeiro romance. Não sou alheia a esse síndrome, não entrei no livro de peito aberto. Mas uma coisa é certa: saí dele convencida de que aguardo novo mergulho com a Márcia Balsas.